O sucesso pode destruir o próprio motivo do sucesso?
Toda vez que faço uma viagem, há um pouco de frustração e um pouco de alegria. As frustrações geralmente estão associadas a locais excessivamente "turísticos". Sim, aqueles super povoados de pessoas apressadas e estabelecimentos mercantilistas. Já as alegrias residem no descobrir um lugar em que podemos nos sentir sozinhos apenas contemplando o momento.
Lugares são marcas.
O sucesso no turismo é medido por visibilidade, rankings, buzz e faturamento. Cidades, países, praias, parques nacionais, museus, parques temáticos, estações de ski, não interessa, são negócios que precisam de visitantes. É preciso ter capacidade de despertar atenção e gerar associações mentais que atraiam pessoas. Tudo isso, dentro do ambiente de competição, no qual concorrentes tentam fazer o mesmo. Nordeste ou Caribe? Yellowstone ou Yosemite? Disney ou Universal? Patagônia ou Alaska?
Chegam as redes sociais e aterrizam os influenciadores
“Lugar secreto”, “destino imperdível”, “cantinho escondido” — basta um post, um influencer, uma lista de "joias pouco exploradas" para transformar um vilarejo bucólico em um cenário de filas, lixo, buzina e selfies com bastão. E o que antes era refúgio virou palco.
Gramado, outrora encantadora e quase discreta, virou sinônimo de Natal com congestionamento de gente, tal qual corredor de um grande shopping center. Punta del Este, antes charmosa, virou uma cópia incompleta de Miami, com uma explosão vertical. Um pequeno vilarejo americano coberto de folhas secas no outono — tão bonito quanto qualquer pintura de Hopper — foi parar no mapa de todo aspirante a viralizar no Instagram. O fluxo foi tão absurdo que proibiram o trânsito no local.
A ironia? O sucesso destrói o próprio motivo do sucesso.
A paz vira ruído. O autêntico vira cenário. O diferente vira repetido.
Barcelona e Veneza já não comemoram o turismo. Tentam controlá-lo. Campanhas de conscientização, impostos, cotas e muitas vezes ações bem antipáticas, como atacar turistas em bares. O excesso virou ameaça ao que há de mais valioso: o cotidiano das cidades.
Mesmo as listas de "lugares que ninguém visita" se tornaram paradoxalmente populares. Afinal, poucos resistem ao charme de parecer original. Mas o charme some no instante em que se torna acessível demais.
Vilão e herói, o Airbnb
Ironicamente, um dos vilões apontados como responsável por destruir o centro das grandes cidades, o Airbnb, apresentou seu novo posicionamento, no qual apresenta uma proposta alternativa: ele não te coloca em uma casa no destino — ele é o destino. A hospedagem como experiência. O refúgio como proposta de valor. Se não dá pra fugir da multidão, ao menos você pode escolher não estar nela.
Há também o caso genial e auto depreciativo da campanha de Oslo: uma cidade tão entediante que talvez não se possa nem chamar de cidade. O convite é claro: se você está em busca de hype, likes e estímulos, aqui não é pra você. Mas se você quer vida real, sossego, cafés sem fila e lagos que não viraram tela de fundo do TikTok... bem-vindo. Mas curiosamente a visão para o a agência que cuida do turismo de Oslo é criar o destino mais atrativo do mundo. Certamente o sucesso disso tudo pode destruir os argumentos que te levaram até ele.
O que nos trouxe até aqui foi o desejo de descobrir o mundo.
Mas talvez o que nos salve agora seja redescobrir o silêncio.
Talvez o luxo do futuro não seja ir onde todos querem ir —
mas poder ficar onde ninguém mais quer estar.
Um destes destinos globais para fugir das multidões pode ser o fim do mundo. Ushuaia, cidade argentina na Terra do Fogo, se utiliza desse posicionamento. O fim do mundo. Algo que está residente no imaginário de toda essa grande região chamada de Patagonia. Resumidamente um lugar que parece o fim, mas ao mesmo tempo mostra que ele não existe de fato:
Pensava que tinha acabado.
Que já havia chegado ao final de todos os caminhos.
Afinal, o mundo não é infinito.
E o assombro não dura para sempre.
Não poderia estar mais equivocado.
Aqui entre montanhas e glaciares,
entre fiordes e o pampa,
lagos transparentes e vida selvagem,
gente simples e lugares hospitaleiros,
aqui no fim do mundo,
é onde aprendi que o mundo é infinito.
No entanto, agora em 2025, a capacidade de atrair turistas estava funcionando tão bem que as sirenes despertaram. Passou do ponto. Havia mais gente chegando do que pinguins nas geleiras.
O vírus do sucesso não ataca somente lugares e destinos. Ele faz vítimas em negócios também. Os ciclo é parecido. O que te torna diferente desperta a atenção e atraí mais público. Isso é o sucesso. Mas há um momento em que uma linha é cruzada. A partir daí os fatores críticos que fizeram seu sucesso começam a ruir. Sua marca precisa estar preparada para o vírus do sucesso. E saber o que fazer com ele quando for contaminada.
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